terça-feira, 23 de março de 2010

Oscar Romero: mártir e profeta

Pe. Geraldo Martins

“Fui freqüentemente ameaçado de morte. Devo dizer-lhe que, como cristão, não creio na morte sem ressurreição: se me matarem, ressuscitarei no povo salvadorenho. Digo isso sem nenhuma ostentação, com a maior humildade. Como pastor, sou obrigado, por mandado divino, a dar a vida por aqueles que amo, que são todos os salvadorenhos, até por aqueles que me assassinarem. Se chegarem a cumprir as ameaças, desde agora ofereço a Deus meu sangue pela redenção e ressurreição de El Salvador”.

Estas palavras foram ditas há 30 anos por Dom Oscar Romero, arcebispo de San Salvador, numa entrevista ao jornal mexicano Excelcior, duas semanas antes de seu assassinato, ocorrido no dia 24 de março de 1980. Neste dia, pouco depois das 18h, um tiro certeiro “calou” a voz dos sem voz no momento em que presidia a eucaristia na capela do hospital, logo após a homilia. Morreu o arcebispo dos pobres, o defensor da justiça, a esperança dos salvadorenhos oprimidos pela ditadura.

A história de Oscar Ro
mero fica ainda mais bonita quando nos damos conta da sua conversão. Sim, o mártir da libertação não foi profeta desde o início de sua vida e de seu ministério presbiteral e episcopal. Aliás, sua escolha para arcebispo de San Salvador foi precisamente porque não trazia nenhum traço de alguém que fosse se rebelar contra o regime autoritário para se colocar ao lado, ou melhor, junto dos pobres, assumindo suas dores e tomando sua defesa. Por isso mesmo, foi rejeitado pelos padres e leigos que sonhavam com a inserção da Igreja na luta do povo contra a opressão de que era vítima.

Padre Comblin, em artigo na revista Convergência deste mês de março, faz uma bela homenagem ao arcebispo salvadorenho ao rememorar sua trajetória de vida com ênfase na sua conversão e no seu ministério profético. “Dom Oscar Romero começou sua missão de profeta já com 60 anos de vida e o foi durante três anos. Converteu-se aos 60 anos, dando em sua vida uma guinada de 180 graus. (...) Oscar Romero nunca teria sido profeta se não tivesse sido arcebispo de San Salvador na época da ditadura militar no seu país”, escreve Comblin.

Segundo Comblin, tudo começou a mudar na vida de Dom Romero após o brutal assassinato do padre Rutílio Grande, poucos dias depois da posse do arcebispo, em março de 1977. “O assassinato do padre Rutílio Grande de repente abriu os olhos de Dom Oscar. Uma vez que descobriu a realidade, não hesitou. Seu tem
peramento era honestidade total. (...) Com a mesma intransigência com que tinha lutado para defender a ortodoxia e a tradição católica integral, denunciou a realidade da matança do povo”, recorda padre Comblin.

É comovente ver o caminho feito por Dom Oscar Romero para chegar à Igreja do Concílio Vaticano II e de Medellin. Seu contato com realidade dos salvadorenhos pobres e sofredores revelou-lhe o rosto da verdadeira Igreja de Cristo, que se identifica com estes que o sistema explora. Soube ouvir com zelo de pastor e amor de pai o “surdo clamor de milhões de homens, pedindo aos seus pastores uma libertação que não lhes chegava de nenhuma parte”.

Em recente reunião em Bogotá, o atual arcebispo de San Salvador referiu-se a Dom Romero como “mártir da comunicação” por ter sido assassinado diante de um microfone, após proferir sua última homilia. De fato, a rádio foi um dos meios mais usados por ele para fazer chegar sua palavra de esperança a todos os corações. O país parava para ouvi-lo. Por conta disso, já sentia a ameaça que pairava sobre si como atestam suas palavras na homilia de 14 de maio de 1978: “Se nos cortarem a rádio, se nos fecharem o jornal, se não nos deixarem falar, se matarem todos os sacerdotes e até o arcebispo, e ficar um povo sem sacerdotes, cada um de vocês deve converter-se em microfone de Deus, cada um de vocês deve ser um mensageiro, um profeta”.

Inúmeras celebrações recordam, neste 24 de março, os 30 anos da Páscoa de Dom Romero. Na CNBB também, por iniciativa da Embaixadora de El Salvador, se celebrará o martírio do profeta dos pobres cuja profecia não falhou: ele ressuscitou e está vivo não só no povo salvadorenho, mas em toda a América Latina. Que ele continue sendo inspiração para os novos profetas de hoje a fim de que não morra a esperança dos pobres.


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