terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Apelos à conversão

Quem pensa que a Campanha da Fraternidade deste ano, por causa de seu tema, vai levar a população brasileira a entender os complicados caminhos da economia, pode se decepcionar. Ao propor a discussão sobre a economia, as Igrejas responsáveis pela Campanha não o fazem numa perspectiva técnica e acadêmica. A inspiração vem do desejo de contribuir para uma reflexão em que a vida e a dignidade da pessoa humana estejam no centro. O clamor é para que toda a sociedade veja, criticamente, até que ponto a economia do país e de cada um em particular serve à vida e não o contrário.

Para os cristãos, a Quaresma se apresenta, neste contexto, como tempo ideal porque é um convite à revisão de vida, que leva à conversão, tendo como fundamento a vida, a pessoa e a obra de Jesus Cristo. Deixar-nos interpelar por Ele, quanto à nossa relação com o dinheiro, é uma atitude de quem está disposto a rever também sua relação com Deus. “Onde está o seu tesouro, aí estará o seu coração”, alerta-nos o evangelista Mateus, que completa em seguida: “Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro”, como nos lembra o lema da Campanha.

Dentre os muitos aspectos que envolvem esta Campanha, podemos ressaltar pelo menos três. O primeiro é o fato de ser ecumênica e realizar-se na esteira das Campanhas de 2000 e 2005, que também foram ecumênicas e tinham como horizonte a cultura da paz, ao abordarem os temas “Dignidade humana e paz- novo milênio sem exclusões” (2000) e “Solidariedade e paz” (2005). Ao definirem o tema economia e vida, as Igrejas cristãs desafiam a sociedade brasileira a estabelecer uma economia que, servindo à vida, tenha como meta a cultura da paz. Esta meta só se alcança com partilha, solidariedade, sobriedade e respeito à natureza. Não parece ser esta a cartilha da economia mundial que prega exatamente o contrário: lucro, acúmulo, consumismo, desenvolvimento, mesmo que ao preço da morte da ética, da natureza e da pessoa humana.

Outro aspecto que chama a atenção nesta Campanha é o contexto em que ela se dá. Em nível mundial, temos a crise financeira que alguns querem fazer crer que já passou. Não apostaria nisso. Em nível nacional, o país vive e respira o clima de eleições. E qual será o carro-chefe da campanha eleitoral? A economia do país, segundo afirmam os especialistas. Há, no texto base da Campanha, uma frase do pacifista Ghandi que pode ajudar no discernimento nesta hora. Ele diz: “O teste da verdadeira organização de um país não é o número de milionários que possui, mas a ausência de fome em sua população”. E no Brasil, segundo o Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS), em 2007, havia 10,7 milhões de famintos e 46,3 milhões de pobres.

O terceiro aspecto que vale a pena destacar é fenômeno religioso que caracteriza esta primeira década do terceiro milênio. Chama a atenção, especialmente, o sucesso da cada vez mais conhecida “Teologia da Prosperidade”, em que os fiéis são estimulados a estabelecer uma relação comercial com Deus. Que impactos esta campanha terá nas igrejas ou movimentos religiosos que fincaram nesta teologia as bases de sua pregação?

A Campanha está lançada. Resta-nos acolhê-la e levá-la a sério. Não nos suceda que, por omissão ou por uma vivência da fé divorciada da vida, deixemos passar esta ocasião que Deus nos oferece para uma verdadeira conversão. Que esta Campanha da Fraternidade, como bem lembrou o teólogo Jung Mo Sung, ajude nossas comunidades “a tomarem mais consciência da materialidade da vida e da íntima relação entre essa dimensão e a salvação”.

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