quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

LIÇOES DA MANJEDOURA

Pe. Geraldo Martins


Que critérios você usa para dizer se o natal foi bom ou não? Esta pergunta é inevitável diante do bombardeio de previsões que indicam um natal quase “não-natal” por causa da crise econômica mundial que tirou o poder de compra da população. É incrível como esta festa cristã, que tem como mensagem central a pobreza e a simplicidade, se rendeu aos encantos do capitalismo e se tornou a festa do consumismo! Pelo menos é assim para aqueles que, consciente ou inconscientemente, colocam em segundo plano o sentido religioso da festa ou o usam como motivação para comprar. Neste caso, o natal pode ser sempre uma frustração, ainda que saciado o desejo de consumo.

A lição da manjedoura é, historicamente, um contraste a muitas situações vividas pela humanidade. Ali se aprende, em primeiro lugar, a lição do despojamento e da pequenez, traduzida na singeleza da criança que, “existindo em forma divina, não se apegou ao ser igual a Deus, mas despojou-se, assumindo a forma de escravo e tornando-se semelhante ao ser humano” (Fl 2,6s). A manjedoura sonhada por muitos, no entanto, é o pódio da fama, iluminado pelos holofotes da mídia, assediado pelas revistas das celebridades e cobiçado pelos patrocinadores cujos olhos só enxergam o lucro, ainda que tenham de transformar a pessoa humana em mercadoria.

A manjedoura ensina também o amor gratuito de Deus pela humanidade toda, sem distinção, uma vez que Jesus não nasce para um grupo de privilegiados, mas para todos. A salvação que ele traz é universal e não tem medida, como não tem medida sua misericórdia. Aliás, o amor não seria amor sem a gratuidade. Esta é sua característica essencial. Por meio dela, aquele que ama coloca o amado em primeiro lugar e o atende a partir de sua necessidade, sem colocar condições. É claro que temos exemplos fantásticos de amor em nossa sociedade. Basta vermos a onda de solidariedade que cresce a cada dia em nosso país, nestes últimos dias, diante das catástrofes provocadas pelas chuvas em Santa Catarina, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Contudo, o grito pelo amor gratuito dos moradores de ruas, dos prostituídos, dos presidiários e de tantos outros tidos como “supérfluos e descartáveis” ainda ecoa inaudível numa sociedade em que é cada vez maior o fosso entre pobres e ricos. Um contraste com a cena da manjedoura!

O valor da família é outra lição dada pela manjedoura, na Gruta de Belém. É bonito ver que o natal ainda é considerado por muitos como a festa da família reunida para confraternizar. Torna-se o dia do encontro e do reencontro, da confraternização e, em alguns casos, até da reconciliação. Neste contexto é que se faz a troca de presentes e de lembranças, de abraços e de sorrisos, de cantos e de lágrimas... Se não cuidarmos, entretanto, esse não será mais o dia da família, dados os constantes embates de que esta instituição divina é vítima. O individualismo e a fragmentação a ameaçam de forma implacável.

A manjedoura ensina, ainda, que a vida, direito inalienável de toda pessoa humana, é dom precioso de Deus, que precisa ser preservado em meio a uma cultura fortemente marcada por sinais de morte. Ao celebrarmos, a cada ano, o nascimento de Cristo, o apelo à promoção e à defesa da vida se torna a mensagem mais forte da manjedoura. Eis aí, portanto, um compromisso irrenunciável de quem faz do natal a festa da vida.

A manjedoura é um mistério de inesgotáveis interpretações. Quanto mais nos deixamos envolver pelo clima divino que a cerca, tanto mais suas lições nos revelam a beleza de Deus e da humanidade por Ele criada. É imperioso sabermos fazer silêncio diante deste mistério e contemplá-lo com os olhos do coração para compreendermos a profundidade do amor de Deus por nós. Do contrário, nosso natal pode ser “não-natal” e, então, teremos frustrado nosso sonho de uma vida feliz.

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