A CNBB aprovou, em sua última assembleia, uma importante declaração intitulada "A Igreja e as Eleições". Tem-se aí a posição da Igreja sobre sua participação na vida política do país. Vale a pena estudar o texto nas comunidades.
Abaixo, segue a íntegra da Declaração:
A IGREJA E AS ELEIÇÕES
“Para instaurar a vida política
verdadeiramente humana nada melhor do que desenvolver o sentido de justiça, de
benevolência e de serviço do bem comum, e reforçar as convicções fundamentais
acerca da verdadeira índole e também do fim da comunidade política, e
corroborar o exercício reto e os limites da autoridade pública” (GS, 73).
Seguramente, períodos eleitorais
não são os mais oportunos para se refletir qual a melhor postura da Igreja
frente à política, sobretudo, a partidária. Sempre que tomamos distância do
objeto analisado, podemos descortinar ângulos que a excessiva proximidade
ofusca. Sendo assim, podemos agora refletir mais tranquilamente sobre o papel
da Igreja e de seus agentes, que nos parece mais adequado e ético.
Basta acompanhar a vida política
deste país com imparcialidade para se constatar a grande contribuição da Igreja
para o aperfeiçoamento da vida democrática no Brasil e a lisura das suas
instituições.
1. Cartilhas e debates
No Brasil, há uma prática que se
prolonga já por alguns anos de elaboração de pequenas cartilhas, visando
orientar os eleitores católicos sobre a responsabilidade do voto. Trata-se de
um exercício de ir ajudando o povo na formação da consciência cidadã. Com o
desenvolvimento tecnológico, tais cartilhas, em muitas partes, foram substituídas
por vídeos para TV e internet e spots para rádios, mas sempre mantendo o mesmo
escopo: desenvolver junto ao povo católico o hábito do debate sobre os destinos
de nossos municípios, estados e país.
Há iniciativas envolvendo
comunidades, paróquias e dioceses, na perspectiva da promoção de debates entre
candidatos, no intuito de conhecer melhor as pessoas e programas daqueles que
se apresentam para governar ou legislar nas mais diferentes esferas do poder.
Além disso, a formação da
consciência política dos fiéis leigos não fica restrita somente a períodos
eleitorais. No dia a dia das comunidades cristãs se realizam debates,
palestras, fóruns com a participação de especialistas e lideranças sobre temas
e realidades da vida sociopolítica, econômica, jurídica e cultural.
Destacam-se, pela importância de sua missão, os "Grupos/Pastorais de Fé e
Política" espalhados pelo Brasil, e as "Escolas de Fé e
Política", como o Centro Nacional de Fé e Política Dom Hélder Câmara
(CEFEP), em nível nacional e várias outras em nível regional e diocesano.
2. Lei 9840: contra a corrupção
eleitoral
Nessa mesma perspectiva, o
empenho de se moralizar as campanhas políticas e o processo eleitoral já se
tornou marca fundamental de uma Igreja comprometida com a ética. A criação da
lei 9840, contra a corrupção eleitoral, teve a coordenação nacional da Comissão
Brasileira Justiça e Paz (CBJP), órgão vinculado a CNBB, com o apoio maciço do
episcopado nacional. Tal evento ganhou enorme importância e eficácia na
moralização eleitoral. Hoje já são mais de 667 políticos cassados(1). Em
decorrência das articulações para a elaboração do Projeto de Iniciativa Popular
que deu origem à Lei 9840, foi criado o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral
(MCCE), integrado por mais de 50 (cinquenta) entidades da sociedade civil, com
mais de 200 (duzentos) comitês espalhados por todo o Brasil.
3. Lei da Ficha Limpa
Outra campanha vitoriosa foi a da
Ficha Limpa. Trata-se da Lei Complementar nº. 135 de 2010, uma emenda à Lei das
Condições de Inelegibilidade ou Lei Complementar nº. 64 de 1990, originada de
um projeto de lei de iniciativa popular idealizado por integrantes do MCCE,
destacando-se a CNBB, a CBJP, o Conselho Nacional do Laicato do Brasil (CNLB),
a Cáritas e a OAB Nacional. O projeto da Ficha Limpa reuniu cerca de 1,3
milhões de assinaturas com o objetivo de aumentar a idoneidade dos candidatos.
A participação ativa das comunidades católicas na campanha pelas assinaturas
foi fundamental.
Nas eleições de 2012, a primeira
sob o efeito da Lei da Ficha Limpa, tivemos mais de 1500 casos de cassação de
candidaturas no país (2).
Desta forma, a Igreja vem dando
sua significativa contribuição para uma política mais ética e voltada para os
reais interesses da população.
Mais do que uma lei, vem se
impondo em diversos lugares uma espécie de “cultura da ficha limpa”, onde
outros setores, por analogia, têm procurado aplicar o sentido da lei, ou seja,
usam o conceito de ficha limpa para montar secretariado, contratar empresas e
pessoas.
4. Posição oficial da Igreja
Já é explícito e claro que a
Igreja reserva a atuação direta na vida partidária aos leigos. O papa Bento
XVI, afirmou (3) que os padres devem ficar afastados do compromisso pessoal na
política partidária para não comprometer a unidade e a comunhão de todos os fiéis.
Disse que é bom evitar a secularização dos padres e a clericalização dos
leigos. Os fiéis leigos devem empenhar-se em exprimir na realidade, inclusive
através do empenho político, a visão antropológica cristã e a Doutrina Social
da Igreja, uma vez que todas as ações sociopolíticas da Igreja têm como
objetivo o bem comum.
Esse ensinamento está em profunda
sintonia com o Direito Canônico que prescreve: "Os clérigos se abstenham
completamente de tudo o que não convém a seu estado, de acordo com as prescrições
do direito particular. Os clérigos evitem tudo o que, embora não inconveniente,
é, no entanto, impróprio ao estado clerical. Os clérigos são proibidos de
assumir cargos públicos que impliquem participação no exercício do poder
civil." (Cân. 285 §1º, 2º e 3º). "Os clérigos promovam sempre e o
mais possível a manutenção, entre os homens, da paz e da concórdia fundamentada
na justiça. Não tenham parte ativa nos partidos políticos e na direção de
associações sindicais a não ser que, a juízo da competente autoridade
eclesiástica, o exijam a defesa dos direitos a Igreja ou a promoção do bem
comum" (Cân. 287 § 1º e 2º).
A política partidária está em
contraste com o ministério ordenado, porque este deve estar acima das facções
políticas e servir a todos indistintamente. “Fora de sua expressão teológica,
de seu primado espiritual, de seu discurso ético, a Igreja perderia sua própria
identidade e, portanto, a possibilidade de atuação em qualquer outro nível” (4). Com
essas diretrizes, o episcopado nacional tem instado junto aos seus padres no
sentido de que obedeçam às normas da Igreja.
5. Superação do divórcio entre fé
e dever temporal
Por outro lado, isso não exime
qualquer fiel, incluindo os clérigos, de seu dever para com a transformação da
realidade social. A Constituição Pastoral do Concílio Vaticano II, Gaudium et
Spes, já alertava: “O divórcio entre a fé professada e a vida cotidiana de
muitos deve ser enumerado entre os erros mais graves do nosso tempo” (GS 43). E
mais: “Ao negligenciar os seus deveres temporais o cristão negligencia os seus
deveres para com o próximo e o próprio Deus e coloca em perigo a sua salvação
eterna” (GS 43).
Assim como se tem claro que não
cabe ao clérigo assumir diretamente um cargo político, é preciso ter claro que
é dever da Igreja, portanto a todos os clérigos, a formação de leigos para que
estejam aptos para essa missão. Nada justifica a omissão nesta fundamental
tarefa eclesial. Dessa forma, a Igreja Católica, significativamente atuante em
todos os campos da vida do povo brasileiro, faz-se presente na política
partidária e no serviço à sociedade através de cargos políticos, não pelo seu
clero, mas pelos seus leigos. Para isso eles devem ser formados, encorajados,
respaldados e acompanhados no exercício de suas funções e do seu mandato,
quando eleitos. A presença qualificada de católicos no mundo da política
tornará a fé cristã ainda mais relevante na organização da sociedade
democrática, pois não há contradição entre democracia e religião. A fé
católica, coerentemente vivida, não só não é obstáculo como pode ser uma das
melhores defesas da democracia contra sua possível decomposição interna.
6. A pobreza, a democracia e a
atuação do cristão no meio social
Ao assumir a opção preferencial
pelos pobres, na perspectiva levantada pelo discurso inaugural da 5ª
Conferência do Episcopado Latino-americano e Caribenho, proferido pelo Papa
Bento XVI: "A opção preferencial pelos pobres está implícita na fé
cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para enriquecer-nos com sua
pobreza" (cf. 2Cor 8,9), a "Igreja pobre, para os pobres", como
é o desejo evangélico do Papa Francisco, se engaja na defesa dos interesses dos
mais desprezados na história. Esse engajamento decorre de sua fé em Jesus
Cristo e não por questões meramente ideológicas. Isso tem implicações claras
nos períodos eleitorais, pois não se pode praticar a indiferença quando
candidatos a cargos políticos são claramente contrários à promoção dos pobres,
quer por uma posição elitista, quer por estar envolvido em processos de
corrupção, que atentam contra os interesses dos pobres e aviltam a convivência
social e cristã.
7. Campanha confessional
A comunidade cristã se sente
verdadeiramente solidária com o gênero humano e com sua história, portanto, os
seus interesses coincidem com os interesses dos homens e mulheres de boa
vontade, que desejam uma sociedade justa e fraterna. Para a consecução deste
objetivo, a Igreja sempre estará como uma sentinela pronta a defender os
direitos, sobretudo dos pobres, da família, dos pais a educar os filhos, da
luta contra a corrupção, da exigência de plena transparência na administração
pública, e a vida em todas as situações, desde a fecundação até a morte natural.
Porém, não cairá na tentação de buscar constituir uma bancada parlamentar
católica, que tenha feições confessionais. Pautar-se-á sempre pela conduta
ética, em todas as campanhas, trabalhando para que os fiéis tenham plena
consciência de seus deveres mais amplos com a sociedade e não se limitará a
defender seus interesses institucionais. Também evitará emitir notas e
pareceres que defendam ou atinjam diretamente este ou aquele candidato, por
causa de filiação partidária ou identificação com esta ou aquela denominação
cristã, mas não se furtará a defender os valores emanados da sua fé no
Evangelho de Nosso Senhor.
8. Autonomia da realidade
política
A conveniente consideração da
relação entre a comunidade política e a Igreja é bem pertinente, sobretudo,
onde vigora uma sociedade pluralista como a brasileira. De modo algum, a Igreja
se confunde com a comunidade política e nem pode ser identificada com um
sistema político. Ambas as instâncias devem respeitar a independência e
autonomia de cada uma, mesmo que trabalhem, muitas vezes, tendo por escopo as
mesmas aspirações, ou seja, o bem estar da comunidade humana. Guardadas as
devidas proporções e natureza de cada uma, devem agir em cooperação, levando-se
em conta as circunstâncias dos tempos e lugares. “A Igreja, sem dúvida,
alicerçada no amor do Redentor, contribui para que a justiça e a caridade
floresçam mais amplamente no seio de cada nação e entre as nações. Pregando a
verdade evangélica, e iluminando todos os setores da atividade humana pela sua
doutrina, pelo testemunho dos fiéis cristãos, a Igreja respeita e promove
também a liberdade política e a responsabilidade dos cristãos” (GS 76).
Não obstante o desejo de
colaborar no que promove o bem comum, a Igreja não abrirá mão, justificada pela
mesma autonomia, de ser instância crítica e profética e de fazer seu caminho
próprio, sem se identificar com as pessoas que exercem as funções políticas nem
com as que exercem o poder econômico. Por isto cuidará, com sabedoria, que sua
proximidade do poder não seja entendida como alinhamento e sua distância do
poder não seja entendida como indiferença política.
9. Teocracia e alienação
Vivemos, hoje, um fenômeno
crescente de participação de muitas denominações cristãs ou não no mundo da
política. Aqui é preciso aprender da história. Nesse campo, há experiências no
mundo que vão desde a teocracia até a total alienação; há experiência de
envolvimento político partidário e direto por interesses corporativistas e
experiência de envolvimento direto pelo bem da coletividade. Como discernir o
momento exato de atuar ou se omitir? Deve-se evitar, por certo, toda e qualquer
atitude oportunista, isto é, aproximar-se ou afastar-se segundo os interesses
meramente institucionais. Seria um comportamento por demais pragmático e
antiético. A Igreja não pode se transformar numa instância colaboracionista do
poder político e nem tampouco se identificar como a oposição cega e irracional.
Há que se buscar a medida exata em cada momento histórico.
10. Conclusão
Enfim, buscar o justo equilíbrio
na participação da comunidade cristã nos momentos em que as campanhas políticas
ganham as ruas do país, é dever de todos os que acreditam na eficácia do
fermento evangélico na transformação das realidades sociais e políticas.
Imiscuindo-se na política partidária a Igreja pode não dar a sua real
contribuição, porém, omitindo-se da participação na política, sobretudo, da
preparação concreta dos fiéis leigos para nela atuarem, negligencia parte
significativa de sua missão evangelizadora.
Notas:
1 Fonte MCCE, com base em dados
da Justiça eleitoral.
2 Idem.
3 www.vatican.va. Bento XVI aos
bispos do Nordeste II, em visita ad limina apostolorum, Castel Gandolfo,
17/09/2009.
4 ALVES, Márcio Moreira. A Igreja
e a Política no Brasil. Ed. Brasiliense, 1979.
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