segunda-feira, 1 de julho de 2013

A Igreja e as Eleições

A CNBB aprovou, em sua última assembleia, uma importante declaração intitulada "A Igreja e as Eleições". Tem-se aí a posição da Igreja sobre sua participação na vida política do país. Vale a pena estudar o texto nas comunidades. 

Abaixo, segue a íntegra da Declaração:



 A IGREJA E AS ELEIÇÕES

“Para instaurar a vida política verdadeiramente humana nada melhor do que desenvolver o sentido de justiça, de benevolência e de serviço do bem comum, e reforçar as convicções fundamentais acerca da verdadeira índole e também do fim da comunidade política, e corroborar o exercício reto e os limites da autoridade pública” (GS, 73).

Seguramente, períodos eleitorais não são os mais oportunos para se refletir qual a melhor postura da Igreja frente à política, sobretudo, a partidária. Sempre que tomamos distância do objeto analisado, podemos descortinar ângulos que a excessiva proximidade ofusca. Sendo assim, podemos agora refletir mais tranquilamente sobre o papel da Igreja e de seus agentes, que nos parece mais adequado e ético.

Basta acompanhar a vida política deste país com imparcialidade para se constatar a grande contribuição da Igreja para o aperfeiçoamento da vida democrática no Brasil e a lisura das suas instituições.

1. Cartilhas e debates

No Brasil, há uma prática que se prolonga já por alguns anos de elaboração de pequenas cartilhas, visando orientar os eleitores católicos sobre a responsabilidade do voto. Trata-se de um exercício de ir ajudando o povo na formação da consciência cidadã. Com o desenvolvimento tecnológico, tais cartilhas, em muitas partes, foram substituídas por vídeos para TV e internet e spots para rádios, mas sempre mantendo o mesmo escopo: desenvolver junto ao povo católico o hábito do debate sobre os destinos de nossos municípios, estados e país.

Há iniciativas envolvendo comunidades, paróquias e dioceses, na perspectiva da promoção de debates entre candidatos, no intuito de conhecer melhor as pessoas e programas daqueles que se apresentam para governar ou legislar nas mais diferentes esferas do poder.

Além disso, a formação da consciência política dos fiéis leigos não fica restrita somente a períodos eleitorais. No dia a dia das comunidades cristãs se realizam debates, palestras, fóruns com a participação de especialistas e lideranças sobre temas e realidades da vida sociopolítica, econômica, jurídica e cultural. Destacam-se, pela importância de sua missão, os "Grupos/Pastorais de Fé e Política" espalhados pelo Brasil, e as "Escolas de Fé e Política", como o Centro Nacional de Fé e Política Dom Hélder Câmara (CEFEP), em nível nacional e várias outras em nível regional e diocesano.

2. Lei 9840: contra a corrupção eleitoral

Nessa mesma perspectiva, o empenho de se moralizar as campanhas políticas e o processo eleitoral já se tornou marca fundamental de uma Igreja comprometida com a ética. A criação da lei 9840, contra a corrupção eleitoral, teve a coordenação nacional da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), órgão vinculado a CNBB, com o apoio maciço do episcopado nacional. Tal evento ganhou enorme importância e eficácia na moralização eleitoral. Hoje já são mais de 667 políticos cassados(1). Em decorrência das articulações para a elaboração do Projeto de Iniciativa Popular que deu origem à Lei 9840, foi criado o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), integrado por mais de 50 (cinquenta) entidades da sociedade civil, com mais de 200 (duzentos) comitês espalhados por todo o Brasil.

3. Lei da Ficha Limpa

Outra campanha vitoriosa foi a da Ficha Limpa. Trata-se da Lei Complementar nº. 135 de 2010, uma emenda à Lei das Condições de Inelegibilidade ou Lei Complementar nº. 64 de 1990, originada de um projeto de lei de iniciativa popular idealizado por integrantes do MCCE, destacando-se a CNBB, a CBJP, o Conselho Nacional do Laicato do Brasil (CNLB), a Cáritas e a OAB Nacional. O projeto da Ficha Limpa reuniu cerca de 1,3 milhões de assinaturas com o objetivo de aumentar a idoneidade dos candidatos. A participação ativa das comunidades católicas na campanha pelas assinaturas foi fundamental.

Nas eleições de 2012, a primeira sob o efeito da Lei da Ficha Limpa, tivemos mais de 1500 casos de cassação de candidaturas no país (2).

Desta forma, a Igreja vem dando sua significativa contribuição para uma política mais ética e voltada para os reais interesses da população.

Mais do que uma lei, vem se impondo em diversos lugares uma espécie de “cultura da ficha limpa”, onde outros setores, por analogia, têm procurado aplicar o sentido da lei, ou seja, usam o conceito de ficha limpa para montar secretariado, contratar empresas e pessoas.

4. Posição oficial da Igreja

Já é explícito e claro que a Igreja reserva a atuação direta na vida partidária aos leigos. O papa Bento XVI, afirmou (3) que os padres devem ficar afastados do compromisso pessoal na política partidária para não comprometer a unidade e a comunhão de todos os fiéis. Disse que é bom evitar a secularização dos padres e a clericalização dos leigos. Os fiéis leigos devem empenhar-se em exprimir na realidade, inclusive através do empenho político, a visão antropológica cristã e a Doutrina Social da Igreja, uma vez que todas as ações sociopolíticas da Igreja têm como objetivo o bem comum.

Esse ensinamento está em profunda sintonia com o Direito Canônico que prescreve: "Os clérigos se abstenham completamente de tudo o que não convém a seu estado, de acordo com as prescrições do direito particular. Os clérigos evitem tudo o que, embora não inconveniente, é, no entanto, impróprio ao estado clerical. Os clérigos são proibidos de assumir cargos públicos que impliquem participação no exercício do poder civil." (Cân. 285 §1º, 2º e 3º). "Os clérigos promovam sempre e o mais possível a manutenção, entre os homens, da paz e da concórdia fundamentada na justiça. Não tenham parte ativa nos partidos políticos e na direção de associações sindicais a não ser que, a juízo da competente autoridade eclesiástica, o exijam a defesa dos direitos a Igreja ou a promoção do bem comum" (Cân. 287 § 1º e 2º).

A política partidária está em contraste com o ministério ordenado, porque este deve estar acima das facções políticas e servir a todos indistintamente. “Fora de sua expressão teológica, de seu primado espiritual, de seu discurso ético, a Igreja perderia sua própria identidade e, portanto, a possibilidade de atuação em qualquer outro nível” (4). Com essas diretrizes, o episcopado nacional tem instado junto aos seus padres no sentido de que obedeçam às normas da Igreja.

5. Superação do divórcio entre fé e dever temporal

Por outro lado, isso não exime qualquer fiel, incluindo os clérigos, de seu dever para com a transformação da realidade social. A Constituição Pastoral do Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes, já alertava: “O divórcio entre a fé professada e a vida cotidiana de muitos deve ser enumerado entre os erros mais graves do nosso tempo” (GS 43). E mais: “Ao negligenciar os seus deveres temporais o cristão negligencia os seus deveres para com o próximo e o próprio Deus e coloca em perigo a sua salvação eterna” (GS 43).

Assim como se tem claro que não cabe ao clérigo assumir diretamente um cargo político, é preciso ter claro que é dever da Igreja, portanto a todos os clérigos, a formação de leigos para que estejam aptos para essa missão. Nada justifica a omissão nesta fundamental tarefa eclesial. Dessa forma, a Igreja Católica, significativamente atuante em todos os campos da vida do povo brasileiro, faz-se presente na política partidária e no serviço à sociedade através de cargos políticos, não pelo seu clero, mas pelos seus leigos. Para isso eles devem ser formados, encorajados, respaldados e acompanhados no exercício de suas funções e do seu mandato, quando eleitos. A presença qualificada de católicos no mundo da política tornará a fé cristã ainda mais relevante na organização da sociedade democrática, pois não há contradição entre democracia e religião. A fé católica, coerentemente vivida, não só não é obstáculo como pode ser uma das melhores defesas da democracia contra sua possível decomposição interna.

6. A pobreza, a democracia e a atuação do cristão no meio social

Ao assumir a opção preferencial pelos pobres, na perspectiva levantada pelo discurso inaugural da 5ª Conferência do Episcopado Latino-americano e Caribenho, proferido pelo Papa Bento XVI: "A opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para enriquecer-nos com sua pobreza" (cf. 2Cor 8,9), a "Igreja pobre, para os pobres", como é o desejo evangélico do Papa Francisco, se engaja na defesa dos interesses dos mais desprezados na história. Esse engajamento decorre de sua fé em Jesus Cristo e não por questões meramente ideológicas. Isso tem implicações claras nos períodos eleitorais, pois não se pode praticar a indiferença quando candidatos a cargos políticos são claramente contrários à promoção dos pobres, quer por uma posição elitista, quer por estar envolvido em processos de corrupção, que atentam contra os interesses dos pobres e aviltam a convivência social e cristã.

7. Campanha confessional

A comunidade cristã se sente verdadeiramente solidária com o gênero humano e com sua história, portanto, os seus interesses coincidem com os interesses dos homens e mulheres de boa vontade, que desejam uma sociedade justa e fraterna. Para a consecução deste objetivo, a Igreja sempre estará como uma sentinela pronta a defender os direitos, sobretudo dos pobres, da família, dos pais a educar os filhos, da luta contra a corrupção, da exigência de plena transparência na administração pública, e a vida em todas as situações, desde a fecundação até a morte natural. Porém, não cairá na tentação de buscar constituir uma bancada parlamentar católica, que tenha feições confessionais. Pautar-se-á sempre pela conduta ética, em todas as campanhas, trabalhando para que os fiéis tenham plena consciência de seus deveres mais amplos com a sociedade e não se limitará a defender seus interesses institucionais. Também evitará emitir notas e pareceres que defendam ou atinjam diretamente este ou aquele candidato, por causa de filiação partidária ou identificação com esta ou aquela denominação cristã, mas não se furtará a defender os valores emanados da sua fé no Evangelho de Nosso Senhor.

8. Autonomia da realidade política

A conveniente consideração da relação entre a comunidade política e a Igreja é bem pertinente, sobretudo, onde vigora uma sociedade pluralista como a brasileira. De modo algum, a Igreja se confunde com a comunidade política e nem pode ser identificada com um sistema político. Ambas as instâncias devem respeitar a independência e autonomia de cada uma, mesmo que trabalhem, muitas vezes, tendo por escopo as mesmas aspirações, ou seja, o bem estar da comunidade humana. Guardadas as devidas proporções e natureza de cada uma, devem agir em cooperação, levando-se em conta as circunstâncias dos tempos e lugares. “A Igreja, sem dúvida, alicerçada no amor do Redentor, contribui para que a justiça e a caridade floresçam mais amplamente no seio de cada nação e entre as nações. Pregando a verdade evangélica, e iluminando todos os setores da atividade humana pela sua doutrina, pelo testemunho dos fiéis cristãos, a Igreja respeita e promove também a liberdade política e a responsabilidade dos cristãos” (GS 76).

Não obstante o desejo de colaborar no que promove o bem comum, a Igreja não abrirá mão, justificada pela mesma autonomia, de ser instância crítica e profética e de fazer seu caminho próprio, sem se identificar com as pessoas que exercem as funções políticas nem com as que exercem o poder econômico. Por isto cuidará, com sabedoria, que sua proximidade do poder não seja entendida como alinhamento e sua distância do poder não seja entendida como indiferença política.

9. Teocracia e alienação

Vivemos, hoje, um fenômeno crescente de participação de muitas denominações cristãs ou não no mundo da política. Aqui é preciso aprender da história. Nesse campo, há experiências no mundo que vão desde a teocracia até a total alienação; há experiência de envolvimento político partidário e direto por interesses corporativistas e experiência de envolvimento direto pelo bem da coletividade. Como discernir o momento exato de atuar ou se omitir? Deve-se evitar, por certo, toda e qualquer atitude oportunista, isto é, aproximar-se ou afastar-se segundo os interesses meramente institucionais. Seria um comportamento por demais pragmático e antiético. A Igreja não pode se transformar numa instância colaboracionista do poder político e nem tampouco se identificar como a oposição cega e irracional. Há que se buscar a medida exata em cada momento histórico.

10. Conclusão

Enfim, buscar o justo equilíbrio na participação da comunidade cristã nos momentos em que as campanhas políticas ganham as ruas do país, é dever de todos os que acreditam na eficácia do fermento evangélico na transformação das realidades sociais e políticas. Imiscuindo-se na política partidária a Igreja pode não dar a sua real contribuição, porém, omitindo-se da participação na política, sobretudo, da preparação concreta dos fiéis leigos para nela atuarem, negligencia parte significativa de sua missão evangelizadora.

Notas:
1 Fonte MCCE, com base em dados da Justiça eleitoral.
2 Idem.
3 www.vatican.va. Bento XVI aos bispos do Nordeste II, em visita ad limina apostolorum, Castel Gandolfo, 17/09/2009.
4 ALVES, Márcio Moreira. A Igreja e a Política no Brasil. Ed. Brasiliense, 1979.


Nenhum comentário: