quinta-feira, 6 de junho de 2013

Em defesa do ECA

Pe. Geraldo Martins

Nos últimos dois meses, o tema da redução da maioridade penal voltou a ocupar destaque na agenda nacional. No Congresso Nacional tramitam inúmeros os projetos propondo a mudança da Constituição Federal (Art. 228), que estabelece a maioridade penal de 18 anos no Brasil, ou mesmo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Com o patrocínio da grande mídia, a pressão é cada vez mais forte e teme-se pelo retrocesso na legislação brasileira.

Desde que foi sancionado, em 1990, o ECA nunca foi digerido por determinados setores da sociedade brasileira, ainda que a crítica mundial o tenha como modelo de lei na defesa dos direitos da criança e do adolescente. Um dos pontos mais questionados é exatamente o que trata do adolescente em conflito com a lei. 

A sociedade parece não aceitar que criança e adolescente sejam ‘sujeito de direitos’, como estabelece o ECA, fundamentado na “Doutrina da Proteção Integral”, ao contrário do antigo Código de Menores de 1923, que se baseava na chamada “Doutrina da Situação Irregular”. O ECA nos ensina a olhar para toda criança e adolescente, independente de sua classe social, etnia, sexo, na sua “condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”. 

Equivoca-se quem afirma haver impunidade para adolescentes que cometem ato infracional. A responsabilização estabelecida pelo ECA para os autores de ato infracional começa aos 12 anos. Só que a punição se dá por meio das medidas socioeducativas. Isso nem todos dizem. Por quê? Porque acreditam que somente a cadeia resolve o problema da delinquência. Aliás, a maioria da população sequer sabe quantas e quais são estas medidas porque enxerga apenas a prisão como solução para quem comete delitos. Pesquisas mostram a eficácia destas medidas, mesmo considerando que nem sempre o Estado se aparelha adequadamente para sua aplicação. O mesmo não se pode dizer do sistema penitenciário brasileiro.

Outro equívoco nesta discussão da redução da maioridade penal é quanto ao número de crimes, especialmente homicídios, cometidos por adolescentes. A forma como é apresentado na mídia faz parecer que os adolescentes são os grandes responsáveis pela violência no país. Um olhar mais cuidadoso revela o contrário. A juventude é muito mais vítima que causa da violência. O Mapa da Violência mostra que, em 2010, foram assassinados no Brasil 8.686 crianças e adolescentes. 

Segundo o Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei de 2011, havia no país 19.595 adolescentes cumprindo medidas socioeducativas, restritos e privados de liberdade. Isso equivale a 3,8% da população carcerária que, em 2011, era de 514.582 pessoas, segundo o Sistema Integrado de Informações Penitenciárias.

O Conselho Nacional de Justiça, através do relatório “Programa Justiça Jovem”, 2010/2011, traçou o perfil de 1.898 adolescentes em 320 estabelecimentos de internação do país e consultou 14.613 processos nas varas judiciais. Constatou o seguinte: a maioria dos adolescentes é de 15 a 17 anos e abandonou os estudos aos 14 anos, sendo que 89% deles não concluíram o ensino básico; os atos infracionais cometidos por adolescentes privados de liberdade referem-se a: roubo (38,1%), tráfico de drogas (26,6%), contra a vida (11,4%), aí incluídos os casos de tentativas de homicídio. 

Outro dado que não se divulga é em relação aos países que, como o Brasil, adotam a maioridade penal aos 18 anos. Pesquisa feita pelo UNICEF revela que, de 53 países (fora o Brasil), 42 adotam a maioridade penal aos 18 anos ou mais. 

Alguns argumentam, ainda, que se um adolescente pode votar aos 16 anos, pode também ser preso se cometer um crime. Só se esquecem de dizer, primeiro, que o voto para ele é facultativo; segundo, que ele pode votar, mas não ser votado. Alguém votaria num jovem de 16 anos para ser vereador ou prefeito, deputado ou governador?

A aprovação da redução da maioridade penal seria a admissão da falência do Estado em relação a, pelo menos, duas coisas. Primeiro, quanto à elaboração e aplicação de políticas públicas voltadas para a população infanto-juvenil; segundo, em relação à implementação de forma plena das medidas socioeducativas. É isso que precisamos cobrar do Estado brasileiro. 

De acordo com o relatório “Programa Justiça Jovem” do CNJ, dez estados brasileiros atuam acima da sua capacidade para atendimento de medida socioeducativa de internação. O mesmo relatório revela também que grande parte dos estabelecimentos de Atendimento Socioeducativo não tem estrutura adequada (32% não têm enfermarias e 21%, refeitório). Como se não bastasse, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) não foi devidamente implementado nos estados. Prova disso é a falta de implementação do Plano Individual de Atendimento (PIA) e a constatação de que mais de 81% dos adolescentes infratores não receberam acompanhamento após o cumprimento de medida socioeducativa. 

Nesta semana, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e o Conselho Nacional da Juventude (Conjuve) realizaram um grande ato em defesa do Estatuto da Criança e do Adolescente e contra a redução da maioridade penal. Acostumados a ondas a favor da redução da idade penal, os defensores dos direitos da criança e do adolescente se veem, agora, ameaçados por um verdadeiro tsunami, que ameaça um dos artigos da Constituição Federal mais caros às crianças e adolescentes e, portanto, às suas famílias. 

Diante disso, é preciso reafirmar o apoio a todos que se unem contra a redução da maioridade penal e na defesa do ECA. São  as crianças e adolescentes que nos perguntam: “será que posso contar com você?”

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