sábado, 16 de fevereiro de 2013

Uma decisão histórica


Pe. Geraldo Martins Dias

Surpresa e perplexidade tomaram conta do mundo diante da inimaginável renúncia do papa Bento XVI, anunciada por ele mesmo no dia 11 de fevereiro, memória de Nossa Senhora de Lourdes. Sentindo esvair-se o vigor físico devido à idade avançada, Bento XVI marcou dia e hora para deixar vacante a Sé de Pedro: 28 de fevereiro, às 20 horas (horário de Roma). Quem poderia imaginar?  A última renúncia de um papa ocorrera há seis séculos (Gregório XII, em 1415). Antes, apenas três haviam abdicado do trono de Pedro. A partir de 28 de fevereiro serão cinco. 

Com este ato ousado e corajoso, Bento XVI comove a Igreja e o mundo, abrindo um precedente para futuros papas, com uma autoridade que outro, talvez, não tivesse para fazê-lo. Seu gesto é sinal também de humildade ao reconhecer os limites impostos pela idade para continuar à frente da Igreja. Ele o fez sem rodeios nem meias palavras: “No mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, para governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor quer do corpo quer do espírito; vigor este, que, nos últimos meses, foi diminuindo de tal modo em mim que tenho de reconhecer a minha incapacidade para  administrar bem o ministério que me foi confiado”.

A enorme repercussão deste fato histórico ainda é intensa e continuará até a eleição do próximo sucessor de Pedro. Na mídia, as reportagens e análises se detêm, por um lado, na decisão de Bento XVI e no legado que deixa após oito anos de pontificado, acrescidos de outras dezenas de anos de trabalho na Cúria Romana do então Cardeal Ratzinger. 

As opiniões vêm de todos os lados: de crentes e não crentes, de admiradores e críticos, de religiosos e leigos, de políticos e estadistas. Viva a liberdade de expressão, ainda que muitos falem mais com o fígado que com a razão e o coração! Num ponto, porém, todos convergem: de inteligência rara, Bento XVI é um teólogo brilhante e passará à história com este gesto pelo qual ninguém esperava.

Por outro lado, sobram especulações sobre quem poderá ser o futuro papa. De onde virá? Da América Latina ou da África? Prevalecerá a hegemonia da Europa? Retorno de um papa italiano? Progressista ou conservador? Teólogo ou pastor? Brasileiro? E os nomes são colocados à mesa tanto por “especialistas em vaticano”, quanto por quem, mesmo sem acompanhar o cotidiano da Igreja e do Vaticano, se arrisca a dar um palpite, movidos pela fé ou pelo simples desejo de se manifestar. 

É natural que seja assim, afinal, o papa não é apenas guia espiritual dos católicos, mas também um chefe de Estado, que mantém relações diplomáticas com países e nações do mundo inteiro. Suas posições nem sempre vão ao encontro do que muitos desejam. Mas, cabe perguntar: algumas questões defendidas pelo papa são dele ou da Igreja? Outro que virá, fará diferente?

A esse respeito, em entrevista à Folha de S.Paulo, disse Dom Claudio Hummes: “A Igreja não pode mudar o Evangelho que recebeu de Jesus Cristo. Ela deve procurar interpretá-lo e pôr [o Evangelho] em prática nas situações diferenciadas da história. Sabemos que hoje existem muitos desafios novos nos campos da ciência, da medicina, da biologia. São campos sobre os quais a gente tem que dialogar. Mas acredito que será difícil simplesmente dizer sim àquilo que é proposto pela sociedade ou pelos legisladores hoje em dia”. Evidentemente que isso não impede um diálogo sempre mais aberto com a sociedade e as grandes questões colocadas nos tempos atuais.

O processo da eleição de um papa, numa dimensão espiritual, é conduzido pelo Espírito Santo. Assim o cremos. Os votantes, no entanto, são humanos e se servem de critérios também humanos para a escolha do sucessor de Pedro. Nada mais natural, portanto, que haja discussão e debate sobre o perfil daquele que melhor responderá aos desafios postos à missão de um papa. Desafios de ordem espiritual, eclesial, teológica, moral, mas também de ordem política, econômica, social, cultural. Aí entram as subjetividades próprias da relação humana. 

O momento é, então, de expectativa. Devemos vivê-lo mergulhados na mais profunda oração, confiantes na ação de Deus que conduz sua Igreja, sobretudo quando prevalecem as limitações humanas. Que o novo papa seja um grande pastor, capaz de cuidar das ovelhas de Cristo (Jo 21,17) e confirmar os irmãos na fé (Lc 22,32).

Um comentário:

Anônimo disse...

Caro amigo Pe Geraldo, percebemos no seu texto a veia jornalística, mas, sobretudo, a elaboração de uma opinião posta com serenidade e recuo sobre este momento capital da vida da Igreja. Um grande abraço.