terça-feira, 1 de outubro de 2013

Organizar para transformar

Pe. Geraldo Martins

Combater a pobreza e a exclusão que roubam a dignidade de milhões de pessoas no Brasil e no mundo é uma exigência da fé cristã. Cristo, ao assumir nossa condição humana, nasce pobre, vive no meio dos pobres e, durante toda sua missão, tem atenção preferencial com os pobres. Resgata-lhes a dignidade e lhes devolve a alegria de viver. Faz isso tanto pela assistência direta – curando, perdoando, alimentando - quanto pela denúncia das estruturas que geravam a pobreza e a exclusão em seu tempo. Não à toa tornou-se persona non grata em vários ambientes e lugares, sendo constantemente ameaçado de morte pelas autoridades e donos do poder.

À Igreja cabe seguir o mesmo caminho de seu mestre e Senhor. Servidora, ela deve assumir como suas “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem” (GS 1). Qual outro Moisés, a Igreja tem o dever de se apresentar ante os faraós de hoje e anunciar-lhes que veio para libertar o povo de Deus da escravidão que o oprime e faz morrer. E os desafios não são poucos!

No mundo inteiro povos e nações, concordando ou não, são submetidos ao sistema econômico e às suas regras. Prevalece a prática do individualismo, do acúmulo, da busca desenfreada pelo lucro, do consumismo irracional, da falta de ética, em detrimento do exercício da solidariedade, da fraternidade, da sobriedade, do respeito ao outro e à sua dignidade.

O Brasil, particularmente, tem uma histórica dívida para com milhões de seus habitantes espoliados ao longo de séculos. São indígenas, negros, trabalhadores do campo, crianças e jovens, mulheres e homens excluídos pelo sistema que os vê apenas e tão somente como objetos de consumo e de produção, facilmente descartáveis quando já não atendem aos insaciáveis desejos do mercado e da economia. Somos um país com elevados índices de desigualdades. O IDH está aí para comprovar essa verdade.

Toda essa realidade foi objeto de amplo debate e reflexão pela Arquidiocese de Mariana durante o V Fórum Social pela Vida, realizado na pequena e acolhedora cidade de Piranga. Durante três dias, de 26 a 29 de setembro, 500 pessoas cantaram, dançaram, rezaram, estudaram e refletiram sobre a construção do “Estado do Bem Viver” na perspectiva do Reino de Deus. A busca do “Estado do Bem Viver” tornou-se o ideal comum de todos os participantes e o fortalecimento da organização popular, o compromisso inadiável que nasce da fé com vistas à transformação social.

A constatação de que o Estado que temos está longe de ser o “Estado do Bem Viver” veio do debate amplo e intenso dos 18 Grupos Temáticos que se formaram durante o Fórum, distribuídos em dois eixos: político e organização popular e pastoral. Quatro ideias forças emergiram de suas reflexões. 

Em primeiro lugar, o papel fundamental da Igreja na construção desse “Estado do Bem Viver”, mas sempre olhando para mais longe: o Reino de Deus. A Igreja não pode se omitir nessa tarefa. Em segundo lugar, a necessidade da Igreja cumprir essa missão em parceria com organizações e grupos diversos que também sonham com um Estado do Bem Viver. A ousadia de propor práticas novas na relação com as pessoas, com os bens e com a natureza é a terceira ideia força apresentada pelos grupos. E, por último, a capacitação dos que se colocam nesse caminho de construção do bem viver. 

O V Fórum Social pela Vida foi uma injeção de ânimo nos que sonham e lutam pelo Reino de Deus que começa no hoje de nossa história. Firmou também a convicção de que na organização do povo é que está a força transformadora para que isso aconteça. Ainda que para muitos esse ideal seja apenas uma utopia, para os que cremos na força do Evangelho, trata-se da certeza de que o Estado do Bem Viver que buscamos – sinal do Reino de Deus - só depende de nós.

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